Virtude como um caminho indireto para a Eudaimonia

Em seu artigo, Michael Brady e Clark Tang analisam as virtudes dentro dos escritos de dois filósofos separados por aproximadamente 22 séculos e geograficamente por milhares de quilômetros de distância: o chinês Confúcio e o escocês Adam Smith. Nos Analectos, livro aonde se reúnem textos atribuídos a Confúcio e seus discípulos, e na versão final da Teoria dos Sentimentos Morais de Adam Smith, Brady e Tang retiram trechos para sustentar as semelhanças das conclusões de ambos os autores

A posição confuciana sobre a busca de riqueza e honra e a aversão a pobreza e desgraça é que se a primeira implicar em desviar-se do caminho (Tao) e a segunda for consequência de manter-se neste, é preferível não evitar a última. Para Confúcio, pessoas exemplares (junzi) cultivam sua excelência, justiça, e sabem o que é apropriado, já pessoas mesquinhas cultivam suas terras, pensamentos de ganho e entendem o que é de vantagem pessoal.

Em uma das passagens ele considera os atos de comer comida simples, tomar água pura e deitar-se sobre seu próprio braço, atos aonde se pode encontrar prazer. Mas riqueza e status conseguidos através de meios inapropriados são como nuvens flutuando, passagem esta que é vista por Brady e Tang como um exemplo da virtude da temperança.

Confúcio também cita três condutas que as pessoas exemplares (junzi) se protegem: quando jovens e cheios de vigor, se protegem da licenciosidade; no auge, quando o vigor está em seu máximo, evitam o conflito; e na velhice, quando o vigor está decaindo, se protegem da aquisitividade. Os autores do artigo comentam que este ponto se conecta com o auto comando, que para Adam Smith é a combinação da virtude da coragem e da temperança.

Para Adam Smith, o estado mais perfeito da natureza humana e o mais completo estado de felicidade que o ser humano pode apreciar é bem-estar corporal e a tranquilidade da mente, sendo este o único fim de todas as virtudes, que são desejáveis pela sua tendência a trazerem este fim, mas não desejáveis por si só. Ele cita o exemplo da prudência que é “a fonte e energizante de todas as virtudes, mas não é desejável por conta própria”. Este estado mental cauteloso, sempre prestando atenção nas consequências de cada ação não pode ser considerado agradável por si só, mas seu valor está na sua tendência de procurar o bem e manter afastado o mal. Smith vê a temperança como uma prudência em relação ao prazer, que também não é desejável por si só, mas tem valor em evitarmos o prazer no presente por algo maior no futuro ou evitar uma dor futura. A fortaleza também é vista como uma forma de prudência, um bom julgamento e presença de espirito ao apreciar de modo apropriada o trabalho, dor e perigo, escolhendo um mal menor para evitar um maior. E por fim, a justiça é também vista por Smith como uma forma de manter a segurança e tranquilidade da mente, pois ao tomar algo que não é seu, o medo de ser punido causariam medo e confusão mental, assim como não ajudar os outros de acordo com a relação destes com nós, geraria ódio e desprezo, ao invés de estima e amor caso o contrário fosse realizado. A justiça, a mais importante das virtudes na visão de Smith, é para ele nada mais que uma conduta prudente e discreta em relação aos nossos vizinhos.

Em seu livro “The Dao of Capital” (em tradução livre, “O Tao do Capital”) Mark Spitznagel defende a ideia que para se ter sucesso nos investimos, a melhor estratégia a ser adotada não é a que se aparenta sendo a mais direta. Ele traz as ideias de outros dois pensadores da China antiga, Lao-Tzu, com o conceito de wei wuwei, ou fazer/não fazendo e Sun Tzu, com o conceito de shi , que Spitznagel interpreta como um caminho indireto para se alcançar um fim, através da obtenção de uma vantagem posicional, utilizando de ambos para defender a ideia de que a melhor estratégia para se investir é muitas vezes esperar, sofrer algumas perdas e procurar um caminho indireto, porém que proporcione alguma vantagem futura, com vistas de se ter maiores ganhos futuros. Para que Robson Crusoé possa pescar mais peixes, ele deve pescar menos peixes por dia, comendo menos, para poder dedicar-se nas construções de ferramentas que o ajudem a conseguir pescar de forma mais eficiente, como uma canoa e uma rede de pesca.

Spitznagel cita uma passagem do livro Economia Numa Única Lição, escrito por Henry Hazlitt, passagem que em sua opinião, poder-se-ia mudar as palavras “ato ou política” por “capital ou processo de produção” e “economia” por investir: “Toda a economia pode ser reduzida a um único lição, e essa lição pode ser reduzida a uma única sentença: A arte da economia consiste em olhar não apenas para os efeitos imediatos, mas para os efeitos mais longos de qualquer ato ou política ”.

Parafraseando a Hazlitt: A arte da virtude consiste em olhar não apenas para os efeitos imediatos, mas para os efeitos mais longos de qualquer ação virtuosa. Visto que o fim de todas as virtudes é uma felicidade genuína ou eudaimonia a virtude é um shi para atingi-la.

BRADY, Michael Emmett; TANG, Clark. Adam Smith and Confucius on Virtue Ethics: Very Similar Conclusions. Available at SSRN 3362110, 2019.

SPITZNAGEL, Mark. The Dao of Capital: Austrian Investing in a Distorted World. John Wiley & Sons, 2013.

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